Certas situações - graças a Deus - ainda me surpreendem e me encantam. Vinha do trabalho, de ônibus, fone no ouvido, música a "todo volume", quando adentrou um casal bastante peculiar. Primeiro reparei na garota. Bonita, bem vestida. Tinha algo diferente no seu modo de agir. Seus movimentos. Eram amplos e rápidos. Fez um giro lateral de cabeça, observando todo o ambiente e voltou-se rapidamente para o seu acompanhante. Ele, por sua vez, não tirava os olhos dela e a seguia. Com a cabeça ela indicou a direção e ambos sentaram-se no banco mais próximo. Fiquei intrigado com o fato deles não tirarem os olhos um do outro. Entendi do que se tratava quando eles começam a comunicar-se em Libras. Era um casal de deficientes auditivos. Fiquei observando discretamente, é claro. Fico fascinado pela comunicação não-verbal. Porém outra coisa me chamou mais atenção do que seus movimentos "frenéticos" com as mãos. As expressões faciais exageradas - ou não - e o foco. Eles, o tempo todo, olhavam um para o outro. Parece um pouco óbvio. Eles tem que enxergar os sinais para se comunicar. Mas ambos estavam completamente alheios a todo o resto do ônibus. completamente. Eu me coloquei no lugar deles. Não havia som algum e só viam um ao outro. Faziam as mais diversas expressões faciais, demonstrando alegria, preocupação, tensão, concordância, discordância...olhando fixamente um para o outro! Nos olhos! Não havia "olhar o vazio" fingir que não estava vendo-entendendo. Não tinha olhar a janela, a paisagem. Não havia "meias palavras". Não havia disfarces, não havia máscaras. Só viam um ao outro. Só escutavam-sentiam a respiração própria ou próxima, quando trocavam algum carinho (eles se tocavam - rosto, mãos, cabeça). Talvez escutassem-sentissem o próprio coração ou o do outro num abraço("viajava" eu, poeticamente). Aliás quanto a mim, chegava a hora do desembarque. Voltei a concentrar-me no fone, onde um cantor qualquer gritava uma música qualquer. Tirei-os. Ouvia novamente o barulho ensurdecedor do motor do ônibus. Na minha frente duas mulheres empolgadas tagarelavam. Comentavam aos berros a novelinha das oito, ou seis, ou sete, ou dez, sei lá. (é tudo a mesma porcaria. Ainda vou escrever sobre isto) Na descida, dei uma última olhada para aquele casal que continuava num mundo só deles conversando com as mãos, com os olhos, com o corpo inteiro, com a alma aos gritos! Gritando sim, eu ouvia! Que "inveja!"
by Nô Vidal
by Nô Vidal